Sono - Haruki Murakami

Murakami é um dos grandes nomes da literatura japonesa, e a Alfaguara é a responsável pela publicação dos livros do autor no Brasil. Ele é mais conhecido pela trilogia 1Q84, que possui uma nota relativamente alta no Goodreads. O interessante é que o autor levou para sua língua grandes nomes, traduzindo livros do Truman Capote, Fitzgerald, entre outros.

Sono chegou tem pouco tempo no Brasil e é um conto de aproximadamente 120 páginas, contando com as (belas) ilustrações de Kat Menschik. Ele foi publicado originalmente em 1987 e é narrado por uma mulher (sem nome) na casa dos 30 anos que depois de uma noite com pesadelos, simplesmente para de dormir. Narrando um episódio anterior de insônia, ela faz questão de frisar que dessa vez é diferente. Ela está há 17 dias sem dormir, mas se sente mais viva do que nunca.

Quem nunca pensou em ter mais horas no dia? Quem nunca desejou que não houvesse a necessidade do descanso físico e mental dos nossos corpos, horas que seriam preciosas e dedicadas à uma outra atividade desejada?

O que me chamou muita atenção nesse conto foi como Murakami utilizou elementos da vida pacata e até mesmo simplória de uma mulher, com sua rotina beirando ao tédio profundo, e traz para o leitor pequenos tesouros em forma de reflexão, mesmo em uma situação absurda - afinal, o natural é que depois de 3 ou 4 dias acordado um ser humano simplesmente precise dormir. Ou morre.

Quem estava dormindo, afinal? O marido dentista em suas atividades quase cronometradas e o seu filho, que simplesmente não notam a mudança de comportamento da mulher, ou não fazem questão de destacar o fato (ou não o consideram relevante)? Ou a própria mulher presa em sua conformidade e vida, escolhas de uma mulher que não quase não se reconhece mais ao olhar-se no espelho?

E o que falar do simbolismo incutido na leitura de Anna Karenina? A mulher simplesmente lê o robusto romance mais de 3 vezes no período em que não precisa/não consegue mais dormir. Reflexo da abstinência de seus próprios desejos de outrora, que agora são preenchidos com pequenos prazeres, como se dedicar horas a fio à leitura, ou comer duas barras de chocolate sem julgamentos.

Eu geralmente não me simpatizo com contos pela falta de informações provenientes desse gênero. Sinto como se o autor estivesse me ocultando coisas pelo fato de ter que ser limitado em sua história. Dessa vez, porém, considerei Sono suficiente por si mesmo, pois ainda me deixou um final muito aberto e reflexivo. Fantástico!

"Essa é minha vida. Ou melhor, era minha vida antes de eu não conseguir dormir. De um modo geral, todos os dias eram praticamente iguais, uma mera repetição. Eu escrevia um diário, mas se eu me esquecesse de escrevê-lo dois ou três dias já não sabia mais diferenciar um dia do outro. [...] Eu me sentia simplesmente assustada. Assustada por não conseguir discernir o ontem de anteontem. Assustada pelo fato de eu pertencer a essa vida e ter sido tragada por ela. Assustada por constatar que minhas pegadas foram levadas pelo vento sem que eu tivesse tempo de me virar e constatar a existência delas."

Título: Sono
Autor:  Haruki Murakami
Editora: Alfaguara
N° de Páginas: 120

Ano: 2015