Dias Perfeitos - Raphael Montes

Quando eu achei que já tinha lido vários fórmulas prontas e previsíveis de romances policiais e não poderia mais me surpreender de forma extremamente positiva, aparece Raphael Montes com o seu Dias Perfeitos.

Aliás, a classificação 'romance policial' me soa estranha. Na minha cabeça ele funciona como um drama psicológico, e dos bons. Téo, o protagonista, mexeu com minha cabeça de forma perturbadora e assustadora em muitos momentos.

Não é a toa que Scott Turow elogiou o trabalho de Raphael.

"Você acha que me ama?" "Amo."  "Isso é paixão, é doença, obsessão. Qualquer coisa, menos amor."  "Não sou adepto de classificações taxonômicas dos sentimentos, Clarice."

Em Dias Perfeitos estamos na cabeça de Téo. Estudante de medicina, carreira brilhante pela frente e bastante avesso às convenções sociais, ele choca o leitor nas primeiras páginas ao travar um diálogo com um dos corpos que usa nas aulas de anatomia, Gertrudes. Ele desenvolve um laço estranho e doentio com esse corpo, onde o próprio a vê como sua única amiga.

Esse pequeno choque inicial é um prenúncio: o protagonista que estamos conhecendo é doente, macabro, não convencional. Fico imaginando o quanto Raphael teve que ir além de si mesmo para adentrar uma mente tão sombria.

Clarice, a mulher desinibida e irreverente é quem chama a sua atenção. Alegre e entusiasmada, ela é uma pessoa que não está acostumada com limites. Faz o que bem quer, quando quer e não é do tipo que pode ser controlada. Realmente uma mulher de espírito livre como diz na orelha do livro. Dias Perfeitos é um projeto que ela está trabalhando, um roteiro para um futuro filme. Infelizmente (para ela), o destino de ambos se cruzam.

Fiquei impressionada com o desenvolvimento de Téo. Observamos a realidade dele, o mundo que antes era desinteressante - o personagem afirma que apenas está vivendo sua vida, sem grandes acontecimentos marcantes -, e como conhecer Clarice afeta sua mente. É como se ele vivesse em um mundo alternativo, e suas ações, socialmente não aceitáveis, são encobertas com desculpas. Usando o amor como justificativa, Téo acredita que está certo.

Fiquei presa nas páginas com sentimentos que oscilavam entre o assombro, espanto e o terror. A sensação quase palpável do desespero de Clarice é algo que ficou marcado na minha mente. O espírito livre agora vivendo entre o terror psicológico e a impotência.

E depois de tanta tensão apenas devo dizer que Raphael foi ousado em sua conclusão. Poucos teriam a coragem de finalizar Dias Perfeitos da maneira que ele o fez. Confesso que talvez não seja um final que muitos julgariam apropriado, mas funcionou pra mim, e acredito que se tivesse sido diferente o livro perderia metade do seu estranho charme sombrio.

Aproveito para agradecer à Companhia das Letras e ao autor pelo exemplar autografado. Adorei a surpresa! :)

Título: Dias Perfeitos
Autor: Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras
N° de Páginas: 280