[Devaneios Literários] Machado de Assis

5 de agosto de 2011

Joaquim Maria Machado de Assis é, sem dúvida, o maior escritor de todos os tempos. Suas obras são atemporais, ou seja, atuais em qualquer período da história. Em minhas aulas, inclusive,  quando um ou outro aluno alega não entender o texto machadiano, não fico constrangida em lhe dizer que Machado de Assis escrevia para um público intelectualizado, já que a grande maioria dos leitores da metade do século XIX acostumara-se com os romances românticos tão previsíveis e lineares.

Hoje, a literatura machadiana ainda nos surpreende com seu humor ferino, o ceticismo, a ironia e a leitura subliminar (o famoso palimpsesto*). Ler Machado de Assis é praticar o exercício de desnudar a alma humana.  Romancista, poeta, contista, cronista e pasmem, teatrólogo, suas obras ultrapassam a percepção do visível e convidam o leitor mais sensível, inteligente e esclarecido a analisar os diferentes vieses  que compõem o nosso caráter, temperamento e personalidade.

Escolhi para este post uma crônica pouco conhecida da grande maioria dos admiradores de Machado. A primeira vez que a li, já na UERJ, dei grandes risadas, quando me lembrava a todo instante que o cronista escrevera o texto por volta de 1892 quando os bondes elétricos chegaram ao Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. O  escritor aproveita, então,  a oportunidade  para redigir esta crônica de costumes, como se fosse um manual de bons hábitos e costumes para os usuários dos bondes.

São 10 artigos.  Aqui, no post, vocês poderão ler os três primeiros, mas, creia-me, vale à pena ler na íntegra a crônica. Convém dizer que mantive a ortografia da época.



O desenvolvimento que tem tido entre nós este meio de locomoção, essencialmente democratico, exige que elle não seja deixado ao puro capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do que alguns extractos do meu trabalho; basta saber que tem nada menos de setenta artigos. Vão apenas dez.

Art. I – Dos Encatarrhoados – Os encatarrhoados podem entrar nos bonds, com a condição de não tossirem mais de trez vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro.
Quando a tosse for tão teimosa que não permita esta limitação, os encatarrhoados têem dous alvitres: – ou irem a pé, que é bom exercicio, ou metterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue.
Os encatarrhoados que estiverem nas extremidades dos bancos devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no proprio bond, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçonico, vocação etc., etc.

Art. II – Da Posição Das Pernas – As pernas devem trazer-se de modo que não constranjam os passageiros do mesmo banco. Não se prohibem formalmente as pernas abertas, mas com a condição de pagar os outros lugares, e fazel-os occupar por meninas pobres ou viuvas desvalidas mediante uma pequena gratificação.

Art. III – Da Leitura Dos Jornaes – Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizinhos, nem levar-lhes os chapéos; também não é bonito encostal-o no passageiro da frente.


Inusitado pensar que hoje, em 2011, 119 anos depois, este manual poderia ser, perfeitamente, publicado, ou então, fixado nos transportes coletivos, servindo de regras que até hoje são desrespeitadas.

* Palimpsesto: espécie de pergaminho reutilizável. Escrevia-se no papel; com um líquido adequado, apagava-se o que fora escrito; em seguida, escrevia-se novamente.  A Literatura apropria-se deste vocábulo no intuito de fortalecer uma das principais características de Machado de Assis: a primeira leitura, ainda ingênua, não nos permite observar a ironia e as críticas sutis; na segunda leitura, o leitor familiarizado com o texto, percebe nas entrelinhas o VERDADEIRO sentido. É a chamada literatura corrosiva que, sem dúvida,  o leitor, ao desnudar jogos de interesse, a hipocrisia da  sociedade, a vaidade humana, o ciúme e o adultério, entre outros, aproxima os leitores mais desinteressados do grande MESTRE, capaz de nos surpreender a todo instante.


Fonte: (respeitada a ortografia) - Fascículo nº 7, vol. I - 1900/1910 - NOSSO SÉCULO, Publicação Semanal (1980/1982).

Quer ler a crônica inteira? Clique aqui

Quer saber mais sobre Machado de Assis? Clique aqui.


Postado por Denise Silveira [Professora de Português, Literatura e Redação.Com 31 anos de experiência no magistério. Pós graduada em Literatura Brasileira pela UERJ. Ah, e o mais importante, minha mãe].
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9 comentários :

  1. Amei!!!! Mt legal apoiar a literatura nacional!

    Parabéns meninas!

    Bjos
    Raffa Fustagno
    http://livrosminhaterapia.blogspot.com/

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  2. Eu adoro Machado!!! Sou fascinada por Dom Casmurro! Me chamam de louca mas eu adoro Capitu e seus olhos e Bentinho e seu amor doentio!!! Parabéns pelo post, temos que inovar!!!

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  3. Machado é simplesmente um gênio... Suas obras são lindíssimas, espetaculares e totalmente envolventes. Muitos não conhecem nossos clássicos e os julgam não tão bons, Por favor... Serial racional dizer que Machado, por exemplo, escreve maus livros? Já ouvi comentários assim, e digo... Nunca pediria uma opinião literária para tal pessoa. A escrita de Machado é fundamental, em muito contribui para o nosso conhecimento, julgamento critico, e cá entre nós... Para o bom gosto!

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  4. Uau, amei o post e que lindo ser sua mãe!
    Eu sou completamente a favor, Machado pra mim é o melhor da literatura brasileira, "Dom Casmurro" é um dos meus livros favoritos!
    O que me deixa mais boquiaberta ainda com a genialidade dele é o fato dele praticamente não ter estudado. Quem tem o dom, tem!
    Não conhecia a crônica e, não só dei risada com ela, como também concordo com o fato de ser totalmente aplicável nos dias atuais!
    Beijos!

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  5. Machado é, sem dúvidas, um autor incrível. Além de abordar temas interessantíssimos e profundamente humanos, eu o considero um dos autores mais "acessíveis", digamos assim, da nossa literatura. Os romances de Machado não são herméticos; fluem com naturalidade e, mesmo assim, dão a você a chance de refletir sobre a sua sociedade, sobre as relações de poder e de dominação. Concordo que é necessária certa maturidade para fazer a leitura correta de tudo que o autor escreve, mas com certeza vale a pena se aprofundar na obra dele em busca de suas verdadeiras intenções.

    =*
    http://livrosletrasemetas.blogspot.com/

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  6. Obrigada Raffafust!
    Sou grande admiradora dos clássicos nacionais, especialmente Machado de Assis. Literatura estudada em vários países, inclusive o maior estudioso e crítico das obras machadianas é um americano chamado John Gledson. Infelizmente, temos a Literatura mais rica do mundo ( sem demagogia) e não lhe damos crédito.
    Valeu!
    Forte abraço!

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  7. Adorei esse post.
    Hoje nos poderíamos acrescentar coisas como "USE FONE DE OUVIDO", mas seria pedir demais.
    Nem essas descritas há anos atrás são seguidas :P

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  8. Muito legal o post!!!

    Tenho que começar a ler os clássicos e o post me inspirou!!

    Beeijos!

    Blog Livros e Atitudes

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  9. adivinhoo adoro machado de assis e faz um bom tempo q nao leio ele... seus devaneios para mim eram curas de tristeza bem legal seu texto

    Leituras Vivas

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