Os contos e romances da escritora apresentam uma abordagem psicológica e introspectiva, por vezes desafiadora e instigante aos olhos do leitor.
É a própria Clarice quem afirma: "As pessoas cosem para fora, eu coso para dentro".
De temperamento taciturno, de poucas palavras verbalizadas, a escritora, projeta em seus textos a turbulência interior; conflitos, anseios e questionamentos pelos quais passa.
Ao escrever, permite-se conhecer. Utiliza uma linguagem carregada de recursos expressivos, em um jogo de metáforas que não só embelezam o texto, produzindo um encantamento aos leitores, como também funcionam como estratégias para suscitar possíveis dualidades de análise textual. Cabe ao leitor atento descobrir o verdadeiro sentido de uma metáfora que não está ali por acaso.
Felicidade Clandestina é um conto, a princípio infanto-juvenil, todavia o título já apresenta uma palavra que não é pertinente ao vocabulário dos mais jovens: CLANDESTINA, o que não é legalizado, prática às escondidas.
No conto, uma menina bonita, esguia, de cabelos livres, anseia por ler As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Ao saber que a amiga possui o livro, espera ansiosamente a oportunidade de um empréstimo.
A menina gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados enche a outra de esperança sobressaltada quando lhe diz que lhe emprestará o livro.
E assim, as promessas se repetem e nunca são concretizadas; a menina loira espera dia após dia a leitura das aventuras de Narizinho, todavia a garota ruiva em seu frio sadismo, inventa desculpas e pretextos para não emprestar o livro.
Finalmente, a menina loira descobre pela mãe da ruivinha que a filha sempre estivera com o livro guardado na estante. Obedecendo às ordens da mãe, a menina é obrigada a emprestar finalmente o livro por tempo indeterminado. O fato enche o coração da pobre menina de um contentamento desconcertante e uma felicidade tão grande que saboreia a leitura devagar, fechando e abrindo o livro e guardando cada palavra e instante em seu coração antes condoído.
Mais tarde, a menina compara o episódio com a clandestinidade dos amantes que para não serem descobertos, marcam encontros furtivos, adiando, quem sabe, conversas mais sérias, porque naquele momento, por que não dizer, fugazes instantes, é necessário saborear o instante, em momentos que, possivelmente, eternizar-se-ão pela dificuldade do encontro e, por isso mesmo, tornar-se-ão mais encantadores e prazerosos.
Nota: "Felicidade clandestina" é o título do primeiro conto do livro homônimo de Clarice Lispector, publicado pela primeira vez em 1971. Quer ler o conto inteiro? Clique aqui.
Informações:
Título: Felicidade ClandestinaDe temperamento taciturno, de poucas palavras verbalizadas, a escritora, projeta em seus textos a turbulência interior; conflitos, anseios e questionamentos pelos quais passa.
Ao escrever, permite-se conhecer. Utiliza uma linguagem carregada de recursos expressivos, em um jogo de metáforas que não só embelezam o texto, produzindo um encantamento aos leitores, como também funcionam como estratégias para suscitar possíveis dualidades de análise textual. Cabe ao leitor atento descobrir o verdadeiro sentido de uma metáfora que não está ali por acaso.
Felicidade Clandestina é um conto, a princípio infanto-juvenil, todavia o título já apresenta uma palavra que não é pertinente ao vocabulário dos mais jovens: CLANDESTINA, o que não é legalizado, prática às escondidas.
No conto, uma menina bonita, esguia, de cabelos livres, anseia por ler As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Ao saber que a amiga possui o livro, espera ansiosamente a oportunidade de um empréstimo.
"Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia".
A menina gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados enche a outra de esperança sobressaltada quando lhe diz que lhe emprestará o livro.
E assim, as promessas se repetem e nunca são concretizadas; a menina loira espera dia após dia a leitura das aventuras de Narizinho, todavia a garota ruiva em seu frio sadismo, inventa desculpas e pretextos para não emprestar o livro.
Finalmente, a menina loira descobre pela mãe da ruivinha que a filha sempre estivera com o livro guardado na estante. Obedecendo às ordens da mãe, a menina é obrigada a emprestar finalmente o livro por tempo indeterminado. O fato enche o coração da pobre menina de um contentamento desconcertante e uma felicidade tão grande que saboreia a leitura devagar, fechando e abrindo o livro e guardando cada palavra e instante em seu coração antes condoído.
"Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade".
Mais tarde, a menina compara o episódio com a clandestinidade dos amantes que para não serem descobertos, marcam encontros furtivos, adiando, quem sabe, conversas mais sérias, porque naquele momento, por que não dizer, fugazes instantes, é necessário saborear o instante, em momentos que, possivelmente, eternizar-se-ão pela dificuldade do encontro e, por isso mesmo, tornar-se-ão mais encantadores e prazerosos.
"Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante".
Nota: "Felicidade clandestina" é o título do primeiro conto do livro homônimo de Clarice Lispector, publicado pela primeira vez em 1971. Quer ler o conto inteiro? Clique aqui.
Informações:
Autora: Clarice Lispetor
Editora: Rocco
ISBN: 85-325-0817-0
Páginas: 160
Mais informações: Skoob
Onde comprar: Saraiva | Fnac | Americanas
Sinopse: Reunião de 25 contos da brasileira de origem ucraniana Clarice Lispector, "Felicidade clandestina" traz a linguagem intimista e o estilo absolutamente pessoal de uma das maiores escritoras do país que morreu em 1977, aos 56 anos.
Postado por Denise Silveira [Professora de Português, Literatura e Redação.Com 31 anos de experiência no magistério. Pós graduada em Literatura Brasileira pela UERJ. E, claro, minha mãe]
Nossa, muito bom o post!
ResponderExcluirNunca li nenhum livro da clarisse, mas sei que ela é diva *-*
Beeijos!
Bia | Blog Livros e Atitudes
Nunca li Clarice Linspector. Fiquei supercuriosa e me identifiquei com a menina: que finge não ter o livro, para aumentar o prazer que sente ao lê-lo.
ResponderExcluirIsso tá ficando profissional!rs... Adorei!
ResponderExcluirMãe, arrasou! Como sempre, né?
ResponderExcluirMuito obrigada pelo interesse e disponibilidade para fazer a coluna.
Beijos!
Beatriz Gosmin
ResponderExcluirQue bom que gostou!
Clarice é incrível.
Beijos!
Denise Maria
ResponderExcluirLeia Clarice, vale a pena.
Beijos!
Marceli Frulani
ResponderExcluirHahaha... Sou sortuda, né?
Beijos!
Obrigada pelo carinho! Espero estar incentivando a leitura dos autores clássicos e contemporâneos brasileiros.
ResponderExcluirTemos a Literatura mais rica do mundo, infelizmente, muitos preferem autores estrangeiros. " Para conhecer é preciso amar"
Próximo post: Machado de Assis em uma crônica bem sugestiva e atual.
Aguardem!